A paralisação do turismo de lazer e das viagens de negócios, em decorrência da pandemia de Covid-19, fez com que a hotelaria suspendesse suas operações em quase todo Brasil. A estimativa de entidades representativas do setor é de que entre 90% e 95% dos meios de hospedagem fecharam durante a pandemia. Ficaram de fora desta conta alguns estabelecimentos em capitais e outros próximos a áreas agrícolas, petrolíferas e polos industriais do interior, que receberam profissionais das poucas áreas que continuaram funcionando.
As restrições de circulação, somadas a fatores como cancelamentos, insegurança dos turistas e uma ocupação abaixo dos 10%, levou milhares de hotéis a fecharem as portas entre o fim de março e o início de abril. Este cenário começou a mudar a partir de junho, quando hotéis passaram a reabrir, movimento que se intensificou em julho e agosto. Mas mesmo com as reaberturas, a baixa ocupação e o passivo acumulado nos meses fechados mostram um setor em busca de sobrevivência.
“A pandemia paralisou o setor hoteleiro. Esse ano está praticamente perdido. Ainda é difícil dimensionar o número de meios de hospedagem que encerrarão completamente suas operações, pois as atividades estão voltando e isso pode trazer um cenário mais positivo. Mas há ainda muitos hotéis e pousadas fechados ou funcionando com severas restrições. Estamos também em contato permanente com os hoteleiros por todo o país e todos são unânimes em afirmar que os prejuízos são incalculáveis. A ocupação média não chega a 15%, o que sequer cobre seus custos”, destaca Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH)
Apesar de tímida, esta retomada se escora principalmente na criação de protocolos. No caso dos hotéis independentes, muito se baseia no selo “Turismo Responsável”, do Ministério do Turismo, e em regras estabelecidas pelos próprios destinos. No caso das redes, o próprio Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FHOB) desenvolveu um protocolo de biossegurança com base nas informações oficiais da OMS – Organização Mundial da Saúde, Anvisa e Ministério da Saúde. Grandes redes como Marriot e Accor, trabalharam no desenvolvimento de um protocolo próprio, chancelado por organismos internacionais de saúde. A estimativa da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) é de que 80% dos empreendimentos hoteleiros já retomaram as atividades até setembro.
“Agora, com os protocolos de pé, não só do governo federal, mas também estados e municípios e das próprias entidades e empresas, há uma pequena retomada que deve se estruturar até a vacina. Eu diria, que a palavra não é retomada e sim sobrevivência”, prevê Alexandre Sampaio, presidente da FBHA.
Entre os hotéis de rede, essas reaberturas já chegam a 90%. “Na primeira semana de setembro já temos 90% dos hotéis, dessa base de aproximadamente 900 hotéis, abertos. Porém estar aberto não significa que teremos aumento das ocupações. Isso ainda vai demorar”, avalia Orlando Souza, presidente do FOHB. Essa demora na retomada das taxas de ocupação deve agravar ainda mais o ano de prejuízos no setor. “Este ano os hotéis certamente fecharão suas contas em prejuízo. O equilíbrio talvez venha a partir do segundo trimestre de 2021. E falar em lucros ou em números de 2019 só a partir de 2023”, completa Orlando.

Alexandre Sampaio, presidente da FBHA, Orlando Sousa, do Fohb, e Manoel Linhares, presidente da ABIH
MUDANÇAS NO NEGÓCIO
A pandemia não só acelerou a necessidade de mudanças, como também as tornou essenciais para a sobrevivência dos estabelecimentos hoteleiros. Modernização, tecnologia, otimização e higiene serão fundamentais. Para Mário Albuquerque, que atua na área de desenvolvimento e implantações da Rede Nobile, uma das alternativas para hotéis independentes será buscar a descentralização de serviços que não são da área fim, o que poder significar a terceirização de áreas administrativas, de recursos humanos e de serviços financeiros, por exemplo.
“Hotéis de rede podem suportar isso, reduzindo seu quadro e se adaptando e fazer mais com menos. Esta não é a realidade dos independentes. O mercado de hotelaria não vai ser mais o mesmo, muita coisa vai precisar ser repensada, principalmente na questão destes serviços. Muitas coisas geram despesas, mas não geram receitas. Para hotéis independentes este custo não vai se pagar e isso vai ter um reflexo muito grande”, destaca Mario.
SERVIÇOS EXTRAS DURANTE A PANDEMIA
Para tentar mitigar impactos da crise, hotéis se adaptaram e passaram a oferecer serviços além da hospedagem. A Accor criou um modelo de “Room Office”, adaptando quartos de hotéis para se tornarem escritórios. Já a Rede Bourbon estabeleceu o sistema de Day Use nos hotéis de lazer e adaptou a área de eventos do Boubon Ibirapuera para receber eventos híbridos (online e presencial). Outros hotéis passaram a oferecer a opção de locação total para eventos. Já resorts apostaram em ocupação reduzida, protocolos e atividades adaptadas para se tornarem uma opção para turistas em tempo de destinos restritos.
MPs
Mas mudanças, adaptações e protocolos não seriam suficientes para minimizar a crise do setor e garantir fôlego para retomada sem as medidas provisórias editadas pelo governo federal. As MPs 936, 944 e 948 foram fundamentais para criar uma base para hotéis de reestruturarem para enfrentar a pandemia e planejar a retomada. A primeira estabeleceu a possibilidade de redução de jornadas e salários. A segunda criou o programa em que o governo financia a folha de pagamento. Já a 948 é apontada como uma das fundamentais, pois estabeleceu o prazo de 12 meses para o reembolso, impedindo que os hotéis devolvessem as reservas antecipadas e estimulando a remarcação ao invés do cancelamento.
“Foram medidas fundamentais para as primeiras fases de combate ao impacto da pandemia no setor. Permitiu preservar parte do caixa das empresas, e a manutenção de boa parte dos empregos. Sem isso teríamos uma quebra desenfreada e um processo de demissão em massa. Afinal o movimento da hotelaria foi para ‘zero de receitas”, ressalta Orlando Souza.
PREÇOS
Em meio a retomada, a grande preocupação está na tarifa média. Diferente do setor aéreo, que conta com poucos players, a hotelaria nacional conta com mais de 10 mil hotéis, de acordo com levantamento da consultoria JLL, sendo 90% independentes. Este cenário torna quase que impossível estabelecer um piso tarifário para evitar uma guerra de preços em busca de clientes.
“Ela já está acontecendo (guerra de preços). Os preços caíram muito e falta poder aquisitivo à população. Dado a queda de poder aquisitivo, os preços tiveram que se adequar em um patamar menor. Abaixo disso é prejuízo. Já estamos tendo operações não sustentáveis. Essa guerra já existe em função de uma adequação de valores cobrados para baixo”, salienta Alexandre Sampaio.
Entre as redes essa queda de preço já é significativa. Dados de julho do Fohb mostram quedas de até 28% na diária média e de até 90% no RevPAR