O Hurb, antigo Hotel Urbano, era considerado, até o início de 2023, como uma das principais, maiores e mais fortes OTA’s do Brasil, com mais de 12 anos de história. Fundada em março de 2011, a plataforma de pacotes e serviços de viagens online teve um crescimento exponencial nos últimos anos, impulsionado, principalmente, pelos preços atrativos de seus pacotes, como Orlando por R$ 999, Tóquio por R$ 2.500 e mais.
Durante a pandemia, os pacotes vantajosos se tornaram ainda mais comuns e trouxeram para alguns uma certa desconfiança por conta dos preços baixos e, para outros, uma oportunidade de conhecer um destino pagando pouco.
Na época, surgiram muitos questionamentos sobre como a empresa poderia ofertar serviços tão vantajosos a longo prazo, sendo que não se sabia como ficaria o cenário do setor pós-pandemia. Rotas poderiam não voltar definitivamente, hotéis poderiam fechar e, claro, a inflação poderia afetar severamente os preços. Enquanto o setor estava desmoronando e as empresas estavam tentando apenas sobreviver, o Hurb ia na contramão e continuava seu plano se expansão. Em 2020, a empresa inclusive deu início ao seu plano de expansão global, lançando site internacional e abrindo escritório em Portugal.
Após muitas especulações, o Hurb sempre se defendeu justificando que este tipo de ação, com pacotes ultra atrativos, era algo recorrente da empresa e não uma prática desesperada para garantir fluxo de caixa durante um dos piores momentos do turismo mundial como muitos acusavam. Este era não apenas o modus operandi, como a estratégia da empresa desde sua fundação.
Superada a pandemia e com a retomada das viagens, o Hurb tinha uma missão: honrar todos os pacotes que vendeu. Reclamações e críticas por parte dos clientes, que vinham enfrentando dificuldades na hora de viajar, e por parte dos fornecedores, que estavam num verdadeiro impasse com relação ao repasse de verbas provenientes de pacotes contratados, estavam se tornando cada vez mais frequentes.
Mas antes de entender o cenário no qual a empresa se encontra hoje, é necessário voltar no tempo e entender o que é o Hurb e como a empresa se tornou uma potência.
Hurb em dados – entenda a dimensão da empresa

Rebranding, expansão internacional, reconhecimento e polêmicas: veja números e momentos marcantes do Hurb – antigo Hotel Urbano (Patrick Peixoto/M&E)
Fundada em 2011, o Hurb conquistou números e reconhecimentos relevantes durante sua trajetória. Entre os produtos e serviços oferecidos pela Travel Tech estão passagens aéreas, passeios, hotéis e pacotes montados para diferentes tipos de viajantes. Utilizando da tecnologia para simplificar o planejamento das viagens, os valores da empresa, de acordo com a mesma, são:
- Democratização do acesso às viagens;
- Muito além de vender passagens e fazer reservas, abrimos as portas do mundo para quem antes não conseguia viajar, principalmente, por conta dos altos preços;
- Inovação como estratégia de negócio;
- As pessoas são o que realmente importa.
Segundo dados disponíveis no site institucional da empresa, mais de 25 milhões de viajantes são cadastrados na plataforma e a cada minuto, 1 viajante chega ao Aeroporto de Guarulhos pelo Hurb. A empresa embarca 3 boeings 747 cheios todos os dias. Somente em 2022, mais de 1 milhão de pessoas viajaram com a empresa e 865 mil estadias de hotéis foram comercializadas pelo Hurb.
A plataforma de viagens já foi reconhecida inúmeras vezes no “Great Place To Work”, recebeu prêmio de Melhor Atendimento ao Cliente do turismo brasileiro, concedido pelo Prêmio Exame/IBRC, foi Tetracampeã do prêmio Época Reclame Aqui – As Melhores Empresas Para o Consumidor, na categoria Turismo e Lazer/Serviços, entre outros.
Início da crise
O estopim que deu início a série de problemas que a empresa vem enfrentando partiu do seu até então CEO e fundador do Hurb, João Ricardo Mendes, que se envolveu em polêmicas após aparecer em vídeos debochando dos clientes e xingar um homem que reclamava sobre o cancelamento de um pacote de viagens comprado na plataforma. O homem em questão era o vendedor Miguel Nader Júnior, que teve seus dados expostos pelo ex-CEO, em um grupo do Whatsapp com quase mil pessoas, após reclamação de passagens aéreas não emitidas.
Miguel chegou a registrar um boletim de ocorrência por injúria e ameaça contra João Ricardo Mendes, que aparece em um vídeo durante uma ligação com o cliente, fazendo ofensas ao cliente. Confira vídeo abaixo:
Com a repercussão negativa do caso, o Hurb anunciou a saída do CEO no dia 24 de abril deste ano. A decisão partiu do próprio executivo, que renunciou sua posição em uma carta aberta postada em suas redes sociais se desculpando pelo ocorrido. João Ricardo recebia, segundo a Moneytimes, um salário que podia chegar a R$ 1,4 milhão ao ano. Otavio Brissant foi a pessoa escolhida para substituir Mendes.
De lá para cá, a empresa vem passando por maus bocados. Ainda no dia 24 de abril, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) determinou a abertura de um processo administrativo sancionador contra a empresa Hurb por “desrespeito aos direitos dos consumidores que compraram pacotes de viagens com a plataforma”. Segundo o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, a situação dos clientes da empresa é “inaceitável” e o processo seria uma medida importante para coibir práticas abusivas no mercado de turismo.
Gerenciamento de crise conturbado
Naquela mesma semana, o Hurb divulgava um comunicado no qual reconhecia problemas e anunciava que iria montar uma força-tarefa para normalizar a situação. A nota também ressaltava que a empresa já havia dado início à regularização dos pagamentos dos parceiros.
Entre as ações que estavam sendo tomadas para contornar a situação, o Hurb destacou o afastamento do antigo CEO, João Ricardo Mendes, a contratação da Consultoria Corporate Consulting, de reconhecida experiência no mercado, que estava trabalhando ao lado dos funcionários da empresa para resolver todas as pendências, a aquisição de novos parceiros de negócios (que foram contratados para acelerar a resolução dos problemas) e o Hurb 3.0, que representaria uma evolução do negócio.
“Sob a liderança do novo CEO, os 1,6 mil funcionários estão integrando uma força-tarefa para normalizar todas as questões pendentes, seja com passageiros, seja com hotéis ou demais parceiros, com avanços significativos nos últimos dias”, afirmou a empresa em nota divulgada naquela época.
“Todo mundo tem muito a perder se o Hurb fechar as portas, cada funcionário, cada fornecedor, cada cliente, cada afiliado”
Hoje fora do Hurb, o até então cofundador, Antônio Gomes, chegou a expressar sua opinião, através das redes sociais, sobre o momento da empresa. O novo personagem na história tinha sido claro na época: “todo mundo tem muito a perder se o Hurb fechar as portas, cada funcionário, cada fornecedor, cada cliente, cada afiliado, os quais Antônio segue a disposição para atender”. Para Antônio, as viagens tinham que ser honradas e ele se colocaria a disposição para que isto acontecesse.
Senacon entra em cena
Em maio, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), intimou o Hurb para que comprovasse que teria condições financeiras para honrar viagens. A decisão da Senacon veio após o aumento do número de reclamações recebidas em todo o Brasil. Apenas nos três primeiros meses de 2023, foram mais de 7 mil, contra 12 mil reclamações em todo o ano de 2022. Além disso, o índice de solução das demandas na plataforma consumidor.gov caiu de 64% (2022) para 50% (2023). Tudo isso porque a empresa estaria enfrentando dificuldades para honrar os contratos fechados desde o início da pandemia.
“O cliente vai embarcar. A gente tem trabalhado com a previsão até o fim do ano”, afirmou Ana Carolina Feliciano, ex-diretora de Comunicação do Hurb
O Hurb cumpriu o prazo determinado pelo Senacon, evitando a multa de R$ 50 mil por respeitar o prazo. Na data, a hoje ex-diretora de Comunicação do Hurb, Ana Carolina Feliciano, disse que a OTA previa resolver as pendências com clientes que compraram viagens e não embarcaram até o final deste ano. “O cliente vai embarcar. A gente tem trabalhado com a previsão até o fim do ano”, afirmou Ana Carolina Feliciano. Segundo ela, ainda havia a possibilidade de reembolso, cancelamento e crédito em casos específicos.
O Hurb, naquela mesma época, também descartou o pedido de recuperação judicial, já que não teria dívidas com bancos, dependendo apenas de capital próprio, segundo Ana. No entanto, a companhia afirmou que estaria em contato com instituições financeiras para buscar dinheiro para resolver débitos com fornecedores.
Em entrevista ao M&E, poucos dias depois, Ana comentou sobre o dia a dia da empresa, as medidas que estavam sendo tomadas, as possíveis mudanças na venda de pacotes, a delicada questão dos fornecedores, entre outras questões. E o mais importante: O Hurb teria como arcar com as viagens? “A empresa se compromete a seguir as obrigações contratuais dos pacotes comercializados dentro do período vigente em contrato”, disse ela.
Em relação aos fornecedores, de acordo com a diretora, o Hurb estava conduzindo, de forma individualizada, um diálogo com cada parceiro da rede hoteleira que fez algum tipo de reclamação, independente da sua natureza. “Nas últimas semanas, a companhia iniciou a regularização dos pagamentos desses parceiros e vem apresentando avanços significativos nas negociações para sanar o atraso”, destacou ela, que não pôde dar mais detalhes.
Reembolso dos clientes e suspensão da venda de novos pacotes
Na sequência, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) ajuizou uma ação civil pública contra o Hurb pelo “não cumprimento com o ofertado” e também devido aos constantes cancelamentos e adiamentos das datas fixadas dos pacotes turísticos que comercializa no mercado de consumo. O MPRJ requeria que a Justiça determinasse que o Hurb realizasse o reembolso imediato dos valores pagos pelos consumidores que adquiriram pacotes turísticos entre 31 de dezembro de 2020 e 15 de julho de 2021.

A Senacon decidiu suspender temporariamente a venda de novos pacotes com datas flexíveis do Hurb (Unsplash)
De acordo com o ajuízo, era necessário ainda o reembolso dos valores pagos pelos consumidores que adquiriram pacotes turísticos entre 31/12/2021 e 04/07/2022 (inclusive). Também estava no ajuízo o reembolso dos valores pagos por consumidores que adquiriram pacotes turísticos a partir de 22/05/2022, se assim o desejarem, desde que o cancelamento do serviço não tivesse se dado por culpa do próprio passageiro ou atribuível ao Hurb.
A Senacon também decidiu suspender temporariamente a venda de novos pacotes com datas flexíveis do Hurb devido a “irregularidades encontradas nas práticas comerciais da companhia”. A medida foi tomada como forma de proteção aos consumidores e buscava garantir a resolução dos problemas antes que novas vendas fossem realizadas.
Renúncias e demissões
A decisão pegou o Hurb de surpresa, que logo começou um processo de demissão em massa que atingiu cerca de 40% do seu quadro de colaboradores (cerca de 400 pessoas). Em notícia veiculada pelo M&E nesta semana, o Hurb ainda não tem previsão para pagar rescisões de colaboradores demitidos.
No dia 06 de junho, pouco mais de 40 dias à frente do cargo, Otávio Brissant – até então, o novo CEO do Hurb, renunciou ao cargo porque as “propostas para resolver os problemas da companhia não foram aceitas”, desestabilizando ainda mais a situação da empresa e dando início a uma série de demissões de profissionais em cargos fundamentais da empresa, como a saída de Lia Coutinho, quase dois anos depois de assumir como nova head Comercial Brasil e Internacional do Hurb e do Cofundador e VP Comercial, Antônio Gomes, após 13 anos na empresa.
Investigação de possíveis crimes
No final deste mês de julho, no dia 26, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, através da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial da área Santa Cruz, exigiu a instauração de inquérito policial para apurar possíveis crimes cometidos pelo Hurb.
Cancelamentos continuam
Na última semana de julho, o M&E recebeu depoimentos de passageiros que foram afetados pelos cancelamentos da empresa. Em um dos relatos, de um cliente que preferiu não se identificar, a empresa cancelou a hospedagem (mas manteve o aéreo), de um pacote para Orlando faltando apenas 20 dias para a viagem do passageiro. “

O M&E recebeu com exclusividade depoimentos de clientes que tiveram seus pacotes cancelados poucos dias antes da viagem
Um completo absurdo. Faltando menos de um mês para a viagem que já havia sido confirmada por eles, o Hurb nos mandou um e-mail informando que a hospedagem não estaria mais disponível e nos deu duas opções: cancelar tudo e ficar com créditos na plataforma, ou assinar um termo nos responsabilizando pela contratação da nossa hospedagem por conta própria. Optamos pela segunda opção, claro, já que gastamos mais de R$ 14 mil com ingressos dos parques, e ainda outro montante com locação de carro e seguro viagem. Como eles podem ser tão irresponsáveis assim?”, questionou a fonte à reportagem do M&E.
Futuro incerto
Apesar de ainda não ter um final, a trajetória de uma das maiores OTAs do País mostra um momento de extrema crise e que aparenta estar apenas no começo. Para 2023, a empresa previa – no início do ano, crescimento de 56% nas diárias exclusivas da plataforma dentro do Brasil. Nos destinos internacionais, o Hurb esperava o aumento de 60% nas diárias próprias.
“2022 foi um ano desafiador, mas de grande importância para a criação de uma melhor jornada para nossos usuários. Para este ano, queremos dar um novo passo e buscar as melhorias necessárias para aumentar nossa eficiência e autonomia no setor e estreitar o relacionamento com nossos clientes”, contou o diretor de Customer Experience, Romario Melo à Forbes em janeiro de 2023.
Apostar como terminará o ano para o Hurb é algo muito complicado, pois é um cenário imprevisível. Mas ficaremos atentos aos próximos movimentos.