
Mesmo em meio a crise, mercado conta com uma série de promoções
Desde o início da crise causada pela pandemia do Covid-19, que assola o mundo e levou as vendas de viagens a algo próximo de zero, começou a aparecer uma série de promoções na internet de pacotes que poderiam ser usados após o fim do surto da doença. Os preços muito menores do que o mercado está acostumado causou críticas por parte de agentes de viagens e operadores. O principal questionamento: será que entregam?
As discussões prosseguiram e se tornaram até piada entre os profissionais do setor. Em um dos milhares de grupos de agentes de viagens no WhatsApp, no início de abril, era compartilhada, de forma irônica, uma imagem que oferecia uma viagem à Lua por um preço irrisório. Um meme que fazia referência a estes pacotes e que mostra todas as dúvidas do mercado em relação a estas promoções.
“Acredito que não existe almoço de graça. Tudo tem o seu custo. Se algumas empresas estão conseguindo preços milagrosos, com certeza tem alguma jogada por trás”, disse o presidente da Braztoa, Roberto Nedelciu. Como “jogada” ele explicou que seria um pacote sem nada incluso, como seguro, ingressos etc. “Não se consegue pacotes com este preço. Estas empresas podem estar apostando em um Up Sales e ganhar nos opcionais. É o tipo de venda que o mercado não aceita, porque depois, quando você soma acaba saindo muito mais caro do que o pacote normal”, complementa.
Não se consegue pacotes com este preço. Estas empresas podem estar apostando em um Up Sales e ganhar nos opcionais
Mesmo assim, Nedelciu lembra que esta não é uma estratégia nova. Segundo ele, este tipo de promoção sempre existiu no mercado, mas acabou ganhando mais publicidade justamente por conta da crise.

Roberto Nedelciu, presidente da Braztoa: “não existe almoço de graça”
Adonai Arruda Filho, diretor da BWT, vê situações como esta com muita cautela e lembra que não há como fazer milagres, especialmente no período atual. “Não podemos fazer acusações porque não sabemos o que está por trás do pacote e quais são as estratégias de cada empresa, mas há preços que só se consegue com milagre”, ironiza.
A mesma opinião é compartilhada pelo diretor da Transmundi, Miguel Andrade, que considera os preços oferecidos, no mínimo absurdos e desconfia da viabilidade do produto. “Se colocarmos na ponta do lápis, chegamos a conclusão de que não tem como entregar. Depois da retomada, os preços devem subir e tem ainda o câmbio, que deve cair, mas ninguém controla”, destaca.
Viabilidade
Ao se deparar com este tipo de preço, os operadores acostumados a lidar com todos os fornecedores, estranham as condições postas. Andrade, por exemplo, reitera que quando houver a retomada, o número de voos disponíveis será menor, o que dificulta a formatação de produtos. “Na Transmundi, por exemplo, estamos mantendo os preços deste ano para 2021 e conseguimos transferir os grupos. Mas, os acordos estão feitos e já começamos os pagamentos, o que garante a entrega. Meu único risco é o câmbio, mas que se estiver muito alto, ainda pode ser repassado no preço”, contou. “Vamos direto na fonte e temos por hábito pagar adiantado, por isso há a garantia para o cliente”, adicionou.

Miguel Andrade, diretor da Transmundi: “isso pode ser uma encrenca, porque o mercado não disponibilizou este tipo de produto ainda”
Vender o que já está garantido é também a estratégia da BWT. Adonai revela que a operadora está sim com diversas promoções, mas que são em média 30% mais baratos do que o habitual, chegando no máximo a 50% em alguns poucos casos. No entanto, ele garante que é algo palpável. “Temos promoções nas quais escolhemos a dedo os nossos parceiros. Estamos tendo vendas, mas ainda bem longe de ser o que era. O importante é que o cliente já sai com o voucher da companhia aérea e do hotel. Temos também alguns hotéis que estão oferecendo a venda em aberto com um ano para ser utilizada. Também estamos trabalhando, mas depende da política de cada fornecedor”, explicou. “A BWT garante a operação, isso porque estamos respaldados com coisas que existem”, completou.
Adonai questiona alguns pacotes ofertados no mercado com embarque para o segundo semestre de 2021. De acordo com ele, não é possível vender este tipo de produto, uma vez que eles não existem ainda. “As companhias aéreas só vendem com um ano de antecedência”, afirmou. O mesmo questionamento é compartilhado por Andrade, da Transmundi. “Isso pode ser uma encrenca, porque o mercado não disponibilizou este tipo de produto ainda. Não há como vender”, acredita.

Adonai Arruda Filho, diretor da BWT: “temos promoções nas quais escolhemos a dedo os nossos parceiros
Até mesmo a maior empresa do setor no Brasil, a CVC Corp, é cautelosa quando se fala em promoções e ainda busca negociações para períodos mais próximos como o segundo semestre e a próxima temporada de verão. O diretor-executivo de Produtos Terrestres Nacional da CVC Corp, Clayton Armelin, contou que há um pouco mais de duas semanas, o time de produtos nacionais da CVC Corp, que faz as negociações com fornecedores vem fazendo tratativas comerciais com seus parceiros, no sentido de eles disponibilizarem tarifas nos sistemas para o segundo semestre e o verão 2020/2021, para que possam trabalhar na formatação de pacotes para o período pós-pandemia.
“Diversos hotéis e resorts por todo o Brasil já têm negociado tarifas promocionais com preços mais atrativos do que se comparados com o mesmo período do ano passado. O mesmo se aplica com as companhias áreas que já vem trabalhando boas promoções para o segundo semestre. Hoje, é possível encontrar pacotes com saídas no período do Natal e do Réveillon (com datas previstas), por exemplo, mais baratos do que no mesmo período do ano passado”, revelou.
Como evitar problemas
Para o presidente da Braztoa, o agente de viagens precisa ficar muito atento caso resolva se arriscar com um pacote deste tipo. É importante lembrar que a Lei não resguarda as agências e elas são responsáveis de forma solidária por tudo que vendem. “Se vendeu e quando o cliente chegar lá isso não existir ele responde junto com o fornecedor. Pode, inclusive, ser processado sozinho”, alerta.

Claiton Armelin: “é possível encontrar pacotes com saídas para o período de Natal e Réveillon mais baratos que no mesmo período do ano passado
A primeira orientação de Nedelciu é olhar o histórico do fornecedor, se há muitas reclamações e também se é filiado a alguma associação. Adonai, da BWT, vai mais longe. Ele ressalta que o fato de uma empresa existir há muitos anos não significa que ela estará viva no ano que vem, especialmente com a crise atual. “O agente tem que sim buscar promoções, mas é importante verificar com o fornecedor se isso existe e se está disponível. Se o voo existe, se a tarifa do hotel é real e até se há outra operadora com condições parecidas, porque estas ofertas para o segundo semestre de 2021 não são possíveis comprar em nenhum outro lugar”, destaca.
O agente tem que sim buscar promoções, mas é importante verificar com o fornecedor se isso existe e se está disponível
Clayton Armelin, destaca que as agências de viagens precisam ser criteriosas na escolha de seus fornecedores e até mesmo operadores. “[O agente precisa] saber com quem negocia, que produto está contratando e, também, sobre a capacidade de entrega da oferta e da viagem no futuro, para que não haja comprometimento da viagem com o consumidor final”, salienta.
Quem faz
Há diversos anúncios na internet com preços considerados muito baixos. Uma das empresas que chama a atenção é a Hurb – antiga Hotel Urbano. A OTA é filiada a Abav Rio de Janeiro e o presidente da entidade, Luiz Strauss, defende a agência. “O Hotel Urbano, por exemplo, tem histórico para isso, sempre fez promoção, é o mercado dele. Faz sentido e tem fundamento. Como instituição, não podemos não recomendar um pacote deles porque sempre tiveram tradição e honraram seus negócios. Como associado, sempre pagou em dia. É uma empresa que tem capital para investir, que tem todo um histórico de promoções”, disse.

Luiz Strauss, presidente da Abav-RJ. “Quando a empresa tem um histórico de reclamações, o passageiro pode sim ficar menos preocupado”
Strauss lembrou que estas promoções são cheia de regras e normalmente são adquiridas por aqueles que buscam muitas vantagens, além de ter disponibilidade de datas para viajar. “Quando a empresa tem um histórico de reclamações, o passageiro pode sim ficar menos preocupado”, afirmou. “Agora, eu não compraria e não recomendo estes pacotes aos meus passageiros. Só se for para viajar daqui a um mês, mas para o ano que vem não”, complementou.
Outro lado
O MERCADO & EVENTOS foi ouvir uma das empresas que oferecem estes pacotes. O CMO do Hurb, Allan Baptista, explicou que este tipo de promoção não é uma coisa nova feita pela empresa. Segundo ele, há um histórico grande da agência na venda destes produtos. “Temos um largo histórico nisso e todo planejamento e operação são feitos in house, por conta disso temos toda uma base de dados integrada”, afirmou.
Baptista ressalta que um minucioso trabalho de análise de dados e uma parceria estreita com parceiros faz com que os pacotes ofertados sejam viáveis. “Temos uma visão 360 graus do produto, desde a venda até o relacionamento com o cliente no futuro. Sabemos o que o pacote representa em resultado financeiro, relacionamento e o que pode ser acrescentados em vendas adicionais”, disse. “Um dos nossos cores é tecnologia, temos uma estrutura robusta para tomar estas decisões e agora de uma forma ainda mais rápida porque durante a pandemia surgem muitas oportunidades”, completou.
Sobre as dúvidas do mercado, o executivo ironizou e ressaltou que a Hurb está em contato direto com companhias aéreas e com a hotelaria. Segundo ele, muitos deles estão passando por momentos muito difíceis, por isso os preços são menores. “Muitos estão pegando o nosso modelo e aceitando as negociações. Há companhias aéreas vendendo para 2021 com preços muito baixos”, revelou. “Vemos que há muito receio que podemos não estar saudáveis financeiramente e que a estratégia é gerar caixa e depois cancelar tudo. Ficamos tristes pelos boatos, mas achamos graça porque temos aqui 700 pessoas trabalhando o máximo possível para conseguir que nossos clientes realizem o sonho de viajar. Não há possibilidade nenhuma de não arcarmos com os nossos compromissos”, finalizou.